De certa forma é “engraçado” ver como a vida pode mudar. Talvez seja essa a “qualidade” que mais gosto na existência de uma sociedade. A mudança constante de formas e cores, ideias e princípios ou de objectivos e prioridades. Num pequeno momento consideramos algo a coisa mais importante da nossa vida e no momento seguinte somos brutalmente apunhalados por trás com engano e decepção de uma forma grandiosa o suficiente para ser considerada um best-seller do Dan Brown. Na verdade, uma só singularidade temporária de massa e energia ao qual chamamos de vida pode tornar-se quase um conto de fábulas e mitos que perdurarão até ao fim dos tempos. E não tem de ser a verdade ou algo sequer baseado em factos reais, simplesmente o ser humano tem um desejo demasiado forte por auto-conservação para não inventar mentiras e dar o seu melhor para que estas deixem de ser fictícios. Podíamos começar desde o inicio dos tempos onde existia a necessidade de inventar histórias sobre deuses e grandiosas figuras tão surreais quanto a nossa imaginação nos permitia, até à pequena mentirinha do dia a dia. A verdade é que os seres humanos são criaturas tão frágeis e mesquinhas que nunca conseguiriam sobreviver sem recorrer à decepção e ao engano e isto não é algo que acontece quando tem que acontecer ou que é exclusivamente uma atitude de ultimo recurso, isto acontece diariamente. Exemplificando, aquela miúda gira no bar que sabem que só vos deixará levarem-na para a cama se lhes disserem que têm um apartamento de 6 assoalhadas, uma garagem com um Mercedes e um BMW novinhos em folha e uma conta nas ilhas Caimão com pelo menos 250 milhões de Euros. Claro que durante este processo ela reparou no rolex falso que usam porque venderam o verdadeiro para pagar as contas da electricidade porque gastam demasiado com o computador antigo que têm em casa a ver pornografia e claro que também notou que não têm nem a postura, nem a apresentação de uma pessoa com esse tipo de dinheiro. Mas claro, ela alinha, porque sabe bem lá no fundo se fossem tudo o que dizem ser, nem sequer olhariam para ela duas vezes porque estariam demasiado ocupados com as acompanhantes de luxo que podiam pagar sem terem de se comprometerem. Depois de uma noite onde vocês fingem ser ricos no apartamento que o vosso amigo vos emprestou, ela percebe que o vosso telemovel que puseram no silêncio para o caso de terem sorte, toca de 20 em 20 minutos, se calhar é coicidencia existir uma corrida de cavalos onde a cada 20 minutos mandam os resultados das corridas via Sms. Claro que por esta altura ela já sabe que és na verdade um jovem advogado pelo tipo de semantica que utilizaste enquanto estavas sóbrio na noite anterior e que és um miserável sobre-endividado graças ao vicio das apostas em corridas de cavalos. E como és patético e não tens auto-estima, finges ser um empresário ridiculamente rico com um rolex falso, carros imáginários e um apartamento emprestado porque provavelmente o teu cheira demasiado a testosterona e nem sequer terias coragem para mostrar os lençois da cama que está no teu T1 situado num bairro social. Mas ela não quer saber disso, porque ela não está interessada no dinheiro que tens, não foi por isso que ela fingiu gostar minimamente de ti ou achar-te atraente quando provavalemente noutra noite qualquer o unico sentimento que irias notar vindo dela seria de repulsa. Ela estava sozinha num bar, sem amigas, sem amigos, a beber vodkas como quem bebe agua no deserto, bem arranjada e devidamente maquilhada dando um aspecto de “mulher-de-sonho”. Claro que tu no fundo também sabes que ela não tem grande interesse em ti, sabes que aquele corpo quase perfeito que sentiste durante a noite não acontece naturalmente e como também não és assim tão estupido, reparaste certamente na marca branca que ela tinha no anelar. No fundo os dois participaram num papel que não era o vosso. Um pequeno teatro que terminou no resultado que ambos desejavam. A pergunta que se impõe no meio disto tudo, é qual foi a necessidade de recorrer à mentira e engano? Ambos queriam esse resultado certo? Porque não foram imediatamente directos? Bem, a resposta é óbvio, porque o ser humano têm a necessidade de mentir mesmo quando não é necessário, de criar joguinhos de diversão escondendo-se por detrás de muralhas gigantes para não serem magoados. E eu acho isso completamente ridículo. Daqui de cima da minha enorme poltrona que paira sobre a humanidade (sarcasmo não confundir com narcisismo) sois todos tão pequeninos. Alguém muito importante disse-me em tempos que com o que já vi e já vivi, as pessoas à minha volta tornaram-se “fantasmas”. Isto numa parábola que tinha como interesse demonstrar-me que a minha existência já passou por demasiado para eu ainda ter algum interesse na recorrente esfera aleatória da convivência do dia a dia. E é verdade que já não me importo com essas trivialidades, por vezes penso que o fantasma sou eu, outras que no fundo sou apenas um ser humano insensível, entre um sociopata a um psicopata numa sociedade que despreza profundamente. Mas a verdade é que não sou nenhuma delas, sou apenas um homem, cravado de defeitos e com algumas qualidades que desistiu de tudo e todos. Especialmente de mim próprio. Não tenho esperança, nem fé, muito menos objectivos. Tornei-me frio e perdido numa existência que deixou à muito de fazer sentido até para mim mesmo. Pergunto-me no fundo, o que é preferível? Estar completamente perdido sem um caminho por onde regressar, ou estar morto?
Sou mesmo tontinho, sempre soube a resposta.